Benedito Calheiros Bomfim Ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, ex-conselheiro federal da OAB, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalh.
É natural que todas as associações e instituições humanas apresentem falhas ou distorções. Mas aquela da qual se espera menos imperfeições é a da magistratura. Ao optar por essa nobre carreira, o candidato está ciente de que a Lei Orgânica da Magistratura exige do juiz que mantenha “conduta irrepreensível na vida pública e particular” e que lhe é “vedado freqüentar lugares onde sua presença possa diminuir a confiança e a consideração de que deve gozar o magistrado, ou possa comprometer o prestígio da Justiça”. Para a investidura no posto de ministro do STF e do STJ, a Constituição requer do candidato “notável saber jurídico e reputação ilibada”. No ato da posse, em todos tribunais superiores, o empossando jura, em sessão solene, “bem cumprir os deveres do cargo, de conformidade com a Constituição e as leis da República”. No Tribunal do Trabalho do Rio de Janeiro, compromete-se, perante o colegiado, “de pé, em voz alta”, a “bem cumprir os deveres do cargo, em conformidade com a Constituição e as leis da República”.
Os pretendentes à judicatura, salvo os oriundos do Quinto Constitucional, submetem-se a rigoroso concurso público. Embora o concurso não afira caráter, formação moral e vocação, e sim conhecimentos jurídicos e saber, pressupõe-se que o candidato preencha os requisitos éticos e morais legalmente exigidos.
Para que desempenhe a função com independência, tranqüilidade, a salvo de necessidades materiais, pressões ou temor, a Constituição e as leis do país garantem à magistratura irredutibilidade salarial, vitaliciedade, inamovibilidade, padrão de vencimentos (superior à das outras categorias) compatível com o posto, aposentadoria com os vencimentos do cargo, prisão especial e foro privilegiado (regalias estas últimas não exclusivas da magistratura), direito a porte de arma etc. Daí o respeito e a confiança depositados na pessoa e na função do juiz, cuja missão era considerada, no passado, nobilitante, intocável e até aureolada de divina. Com atribuições de julgar práticas delituosas, conflitos patrimoniais, familiares, atos de outros poderes, o Judiciário constitui-se num superpoder, até há pouco fora de controle e fiscalização.
Dadas as relevantíssimas atribuições e autoridade que detém, a função do magistrado se reveste, perante a sociedade, de grande responsabilidade. Seus eventuais deslizes e desvios assumem maior gravidade do que os cometidos por quaisquer outros servidores públicos e, por isso mesmo, sua punição há de ser mais rigorosa que a cominada a quem, não tendo os mesmos deveres e obrigações, incorre em idênticas infrações ou delitos. O juiz ímprobo é o pior dos delinqüentes porque trai seu juramento, abjura sua missão política, social e institucional. Menos mal fazem à sociedade os marginais do que o magistrado venal. Rui Barbosa, que já havia estigmatizado a venalidade e o medo do juiz como “prevaricação judiciária”, advertiu: “Nenhum tribunal, no aplicar a lei, incorre, nem pode incorrer, em responsabilidade, senão quando sentencia contra as suas disposições literais ou quando se corrompe, julgando sob a influência de peita ou suborno”.
Do comum das criaturas, é humano e razoável esperar que nem sempre tenham conduta irrepreensível; do malfeitor é natural que cometa atos anti-sociais; mas do juiz, encarregado de julgar formalmente seus semelhantes, bem como atos do Executivo e do Legislativo, só se admite conduta incensurável, ilibada.
Não é incomum juízes exararem despacho ou proferirem sentença em atenção a pedido de colegas, simplesmente para agradar ou para abrir caminho à promoção, o que não deixa de caracterizar uma modalidade de suborno. O foro privilegiado e o afastamento, compulsório ou a pedido, em caso de sindicância, com vencimentos integrais, mais se assemelham a um prêmio ao magistrado infrator.
É dever de todos os advogados e magistrados éticos, que são a grande maioria, colaborar para o saneamento do Judiciário, denunciando a má conduta daqueles que, juizes ou não, concorrem com seus atos para o descrédito da classe e da entidade a que pertencem. Os que, cientes de práticas atentatórias à dignidade da Justiça, calam, contribuem para a impunidade e manutenção do atual estado de coisas, facilitam a corrupção, incentivam a degradação da instituição.
Não basta, porém, moralizar o Judiciário. É preciso, mais: erradicar a cultura que faz do juiz, e não das partes, a figura central da Justiça; mudar o critério de composição do STF; instituir eleição direta para a direção dos tribunais. É necessário, enfim, democratizar a instituição.
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