A história se repete - até na tentativa de desqualificar uma denúncia, sob a alegação de que se trata de uma jogada eleitoral. No caso, para prejudicar o Partido dos Trabalhadores (PT). É o que quer fazer crer o secretário de Assuntos Institucionais do partido, Romênio Pereira, acusado de envolvimento com uma quadrilha que desviava verbas públicas. O modus operandi era o de sempre: mediante pagamento de propinas, o grupo intermediava a liberação de verbas federais destinadas a pouco mais de uma centena de municípios, quase todos em Minas Gerais. A fraude teria abrangido inclusive recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o principal programa de obras do governo Lula.
A armação, desvendada a partir da Operação João-de-Barro, deflagrada pela Polícia Federal (PF), vinha de longe. "O esquema, inicialmente montado com a participação de um número limitado de pessoas e empresas, cresceu em complexidade e organização", constata o Ministério Público Federal. "Além de prefeitos e ex-prefeitos, suspeita-se da participação também de lobistas e de servidores ocupantes de cargos estratégicos na administração pública federal." Pois bem. Apurou-se que um desses lobistas, João Carlos Carvalho, preso pela PF e apontado como um dos personagens centrais, se não o mais importante, dos ilícitos em série, tinha ligações com Romênio Pereira.
O dirigente, que se licenciou da Executiva Nacional petista por 60 dias para "poder exercer com tranqüilidade meu pleno direito de defesa" diante de acusações que assegura serem improcedentes, não nega ter mantido "diversos contatos" com Carvalho. "Mas nenhum deles para intermediar liberação de emendas ou de quaisquer outras verbas públicas." Eles teriam sido apresentados por um prefeito petista há cerca de cinco anos. O fato é que, por solicitação da Procuradoria-Geral da República, que o investiga, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a quebra do seu sigilo fiscal, bancário e telefônico. No fim da semana, a revista IstoÉ informou que o levantamento será enviado ao STF em setembro.
Estranhamente, Romênio disse que não sabia que Carvalho era lobista. No ano passado eles se encontraram sete vezes. Na função de secretário de Assuntos Institucionais do PT, era o responsável pelo relacionamento do partido com prefeitos municipais. O secretário-geral da sigla, José Eduardo Martins Cardozo, considera "positivo", como não poderia deixar de ser, o afastamento temporário pedido por Romênio - e, previsivelmente também, acha prematuro especular sobre a eventualidade de sua saída definitiva. A Executiva tinha marcado para amanhã uma reunião que trataria apenas da campanha eleitoral, mas decerto os seus membros não poderão ignorar o assunto.
Mais uma vez, afinal, um companheiro da cúpula partidária é citado numa devassa sobre atos reiterados de corrupção. Estes envolveriam desvios da ordem de R$ 700 milhões. A hipótese de que Romênio não tenha se beneficiado pessoalmente de qualquer das maracutaias identificadas pela Polícia Federal e o Ministério Público não atenua a nova crise petista. Ao que se sabe, tampouco os dirigentes processados no Supremo como integrantes da "organização criminosa" do mensalão, como José Genoino e Delúbio Soares, desviaram para suas contas alguma parte dos recursos usados para a compra de votos favoráveis ao governo na Câmara dos Deputados. Mas o escândalo ficou indelevelmente gravado na história do PT.
Agora, o risco de uma associação entre a sigla PAC e o termo "desvio de verbas" provoca desconforto no Palácio do Planalto, onde a única associação desejada - e em permanente construção - é a do programa com a sua condutora (ou "mãe", como disse Lula), a ministra Dilma Rousseff, por enquanto o nome preferido pelo presidente para a sucessão de 2010. As suspeitas sobre Romênio Pereira, ao contrário do que ele diz, não foram concebidas com a intenção de prejudicar o PT nas eleições municipais. Mas é óbvio que vieram em má hora. Evidentemente, o lulismo tratará o problema com panos quentes. No pior dos cenários, conforme o que as investigações trouxerem a público, fará o que sabe para circunscrever o estrago aos "erros" de um único protagonista, a ser sacrificado.
do estadão