Indicado para o STF participou de trote contra ministro da Justiça, em 1988
De rígida formação católica - desde muito pequeno era ele quem puxava as orações do terço em casa -, José Antônio Dias Toffoli destacou-se ainda nos tempos de estudante por sua atuação em favor dos excluídos.
Oitavo de nove irmãos - pai Luiz Toffoli, cafeicultor e marceneiro, mãe Sebastiana Seixas Dias Toffoli, professora e catequista, ambos já falecidos -, ele nasceu em Marília, interior de São Paulo, no dia da República, 15 de novembro de 1967. Viveu a infância na Fazenda Floresta, de 27 alqueires e generosas jaboticabeiras.
Aos 19 anos incompletos, chega à capital. Em 1986, o rapaz se vê diante das Arcadas do Largo São Francisco, monumento ao Direito.
Maria Esther e Maria Eloiza, suas irmãs, moram em casa simples e distante, em Cangaíba, extremo leste. É o primeiro endereço do rapaz na grande cidade, mas não por muito tempo, porque depois irá ocupar o apartamento de um colega na Bela Vista - 30 metros quadrados numa travessa da Frei Caneca.
No ano seguinte têm início debates acalorados pela construção da nova Carta. Na faculdade monta-se um plenário popular, reservado para as emendas das entidades da sociedade civil. Toffoli se sobressai, toma a palavra e as iniciativas. Logo o rapaz de barbas espessas e óculos de grau passa a dar expediente na periferia para cuidar da gente sem teto. É ele o braço jurídico da Associação em Defesa da Moradia.
Engaja-se ao XI de Agosto, centro acadêmico de resistências, e dele torna-se diretor. Por esses tempos, 1988, aparece por lá um gaúcho de bigodes, prestigiado especialista em Direito Constitucional. Chama-se Paulo Brossard de Souza Pinto, ministro da Justiça do governo José Sarney. Sua marca é o chapéu, do qual não se separa por nada nesse mundo. Mas, num descuido da ilustre visita, que fora almoçar e dar palestra, alguém lhe surrupia o adereço.
Toffoli percorre o pátio e as escadarias centenárias com o chapéu do doutor Brossard, ora na cabeça, ora girando-o na ponta do indicador. Anda com a peça para cima e para baixo, a ela dá a importância de troféu. Consta que, afinal, o chapéu serviria para quitar algumas dívidas do XI. O ministro nem fez queixa.
"O Toffoli sempre foi muito animado e muito querido", depõe José Marcos Lunardelli, juiz federal, contemporâneo do ministro na faculdade. "Ele foi meu calouro, um aluno dedicado, tem rapidez de raciocínio, inteligência. Capacidade de síntese. Preocupado com os direitos dos carentes."
"Toffoli é isso, um cara bacana", endossa Hélio Silveira, advogado do PT, colega do ministro na São Francisco. "É amigo de todo mundo, boa praça."
Toffoli e Márcio Antonio Boscaro - agora magistrado da 30.ª Vara Cível - são próximos e confidentes na faculdade. Toffoli assume a representação dos alunos na congregação e tem assento ao lado de catedrático conceituado, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau, então seu professor.
Cola grau em 9 de janeiro de 1991 e entrega-se à advocacia. Faz especialização em Direito Eleitoral - depois defenderá o PT e o presidente Lula - e torna-se professor de Direito Constitucional e Direito de Família. Antes, mergulha na defesa das causas sociais. Desagrada-lhe o que vê como indolência dos governantes para com os oprimidos.
Boscaro, o amigo, sonha com a toga e no concurso tira o primeiro lugar. Na festa de posse experimenta constrangimentos - o futuro ministro, espanto geral, tasca beijo sem pudores no rosto do amigo.
A turma faz refeições no restaurante Gato que Ri, do Largo do Arouche, e no Brahma da esquina famosa. Frequentam o Sujinho, da Consolação. Em outras oportunidades esticam a madrugada para aventuras mais emocionantes. São tempos felizes na vida do moço de Marília. Ele gosta de futebol, há testemunhos de seu talento com a bola nos pés. Torce para o Palmeiras. Mas o jogo que o fascina mesmo é o xadrez - e poucos o desafiam no tabuleiro.
Vai a festas e desfila na peruada, a ruidosa manifestação político-carnavalesca do pessoal da São Francisco.
Na noite de 11 de agosto de 1989, saem às ruas para a "pindura selvagem", como chamam as ações mais audaciosas. O alvo é a cantina Spazio Pirandello, da rua Augusta. São 40 os estudantes, entre eles Toffoli com seu moletom azul e vermelho já um tanto desbotado.
Chegam em grupos, sem algazarras, que é para não despertar suspeitas. Pedem do bom e do melhor, massas finas e vinho importado à mesa. A noite já vai alta e eles sobem nas cadeiras, cantam e dançam. Quando ensaiam a debandada, policiais estão à porta. Truculentos, apontam metralhadoras para os estudantes, instados a marchar até a 4.ª DP, a duas quadras dali. No tumulto, Toffoli e Boscaro se esgueiram por entre carros e escapam do flagrante. "O Zé Antônio só pode dizer que tem reputação ilibada porque não entrou no inquérito", diverte-se Boscaro.
O dinheiro anda curto. Álvaro Lotufo Manzano, amigo do peito e de afinidades ideológicas, tem um tio, o sr. Vitor, que é dono de pizaria na rua Purpurina, Vila Madalena, a Oficina de Pizzas. Os dois fazem um bico na coordenação das entregas.Toffoli saboreia fatias de escarola.
Álvaro resolve casar, em 1994, mas há um contratempo. A noiva é católica, ele presbítero. "Eu tinha que me batizar na Igreja Católica", conta o procurador da República de Tocantins. Batiza-o padre Carlão, 53 anos, irmão de Toffoli.
Na semana que passou, aos 41 anos, pai de Pietra, 9, Toffoli, um apaixonado pela astrologia, pela matemática e por um bom prato de batatas, comunicou aos irmãos sua indicação para a mais alta instância da Justiça. "Quando o Totonho era menino dizia que ia ser embaixador", lembra-se o bancário José Luiz, de 54 anos, o mais velho da prole. "Com cinco anos calculava a distância da queda de um raio contando os segundos entre a luz e a trovoada."
da Agência Estado
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