´´De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.`` Rui Barbosa

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Nem a Universidade escapa

Quando são condôminos do poder - governantes, legisladores, ministros e secretários, dirigentes de órgãos da administração direta e indireta - os acusados de esbórnias com recursos públicos, a opinião pública fica indignada, mas não exatamente surpresa. O acúmulo de escândalos ao longo do tempo no fundo habituou a sociedade a esperar o pior de todos quantos gravitam na órbita estatal. O mensalão, estilhaçando a imagem impoluta difundida desde sempre pelo partido que o criou, terá removido as últimas ilusões sobre a integridade dos políticos: o que espanta o comum das pessoas são as evidências de mãos limpas entre eles, não o seu contrário. É o que torna especialmente chocantes as revelações de que, além dos suspeitos de costume no caso do uso abusivo dos cartões de crédito do governo, também membros presumivelmente austeros da comunidade acadêmica brasileira fizeram farra com o dinheiro alheio.

Perto do que a imprensa vem divulgando sobre gastos espúrios na Universidade de Brasília (UnB), denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal, os ''''erros administrativos'''' que custaram o cargo à ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, empalidecem. Ela usou o cartão corporativo para pagar uma compra de R$ 461 num free shop e gastou R$ 175 mil com locação de carros. A Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), entidade de fomento à pesquisa ligada à UnB, que recebe recursos estatais e particulares, gastou R$ 470 mil na reforma e decoração do apartamento de propriedade da instituição, onde residia seu reitor, Timothy Mulholland, até o vexame vir à tona. Ele manifestamente não viu nada de mais, nem na flagrante malversação de fundos, que deveriam promover a ciência e a tecnologia, nem nos detalhes mais acintosos do dispêndio, como a compra de um saca-rolhas de R$ 859 e de três lixeiras de até R$ 990 cada.

Numa carta, enrolando como todo político apanhado com a mão na massa, Mulholland deu a entender que esses luxos, inconcebíveis numa universidade pública que se dê ao respeito, seriam necessários para ''''receber autoridades, pesquisadores e professores nacionais e internacionais...'''' Depois, numa entrevista, enunciou o que poderá entrar para o seu currículo como a Lei de Mulholland: ''''Não se mobilia uma casa de qualquer maneira.'''' A seu ilustrado juízo, decerto, um reitor tampouco pode se deslocar num veículo qualquer. Pois ele aceitou gostosamente circular no carro de R$ 72 mil que a mesma Finatec comprou para o seu uso exclusivo, na condição de Magnífico Reitor (tratamento que se reserva no Brasil ao principal dirigente universitário). Por fim, assoberbado ou distraído, Mulholland só se lembrou de devolver à UnB os R$ 3.953 recebidos em 31 de janeiro para uma viagem a Cuba duas semanas depois de não fazê-la - e quando a imprensa já estava atrás da história.

Na sexta-feira passada, a pedido do Ministério Público, a desembargadora Nídia Côrrea Lima, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, afastou dos seus cargos os cinco diretores da Finatec, todos professores da UnB, até o esclarecimento da gastança com os confortos do reitor. Não parece tratar-se de um episódio isolado. Segundo o Globo, uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), iniciada em 2004, encontrou irregularidades envolvendo a UnB e as cinco fundações, entre elas a Finatec, que lhe são vinculadas. Recursos da universidade, por exemplo, teriam sido depositados em contas bancárias das fundações, com o aparente propósito de burlar a fiscalização dos seus gastos. De seu lado, o Ministério Público acusa especificamente a Finatec, entre outras coisas, de intermediar contratos para órgãos públicos com dispensa de licitação.

Enquanto isso, apurou-se que, pagando com cartões corporativos, a UnB gastou no ano passado mais R$ 69 mil com alimentos, em supermercados e empórios finos. Só o cartão de um assessor do reitor bancou R$ 24,4 mil em despesas do gênero. Mulholland assumiu em novembro de 2005. Naquele ano, gastos semelhantes totalizaram apenas R$ 1.743.

Nenhuma universidade federal usa tanto o cartão do governo como a UnB - bancou R$ 1,2 milhão em 2007. Parte desse dispêndio, de outro modo, exigiria tomadas de preços ou licitações

da Agência Estado

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